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ENTRE-IMAGENS (2010)

 

Texto para o catálogo da exposição Foto-celular, realizada no Centro Cultural da Justiça Eleitoral (Rio de Janeiro, jan 2010)

 

• Curadoria

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• Revolução tecnológica

 

ENTRE-IMAGENS

 

Que a fotografia tenha revolucionado as técnicas de produção de imagem quando foi inventada, ninguém duvida. É do conhecimento de todos o profundo impacto que a disseminação das práticas fotográficas representaram na sociedade do século XIX. O que poucos sabem, no entanto, é que a fotografia nunca cessou de produzir contínuas revoluções desde então. Se seguirmos os passos de sua história – que inclui transformações tanto nas técnicas quanto nos usos feitos dela –, de invenção em invenção, podemos perceber um caminho de radicalização crescente de sua vocação democrática.

 

No início, para conseguir fotografar, uma pessoa era obrigada a entender bastante de física ótica e de química, caso contrário, não seria capaz de manipular os complicados equipamentos e processos de produção de uma imagem fotográfica. Basta lembrarmos a complexa artesania implicada na produção de um daguerreótipo (que era uma imagem produzida pelo amálgama de prata e mercúrio na chapa de cobre), ou de um colódio úmido (com os negativos de vidro em grande formato que necessitavam ser emulsionados, expostos e revelados imediatamente). Mas já no final do século XIX, George Eastman, o inventor da Kodak, havia colocado a fotografia ao alcance de um público bem maior ao inventar o sistema que não poderia ser mais bem explicado que através do slogan “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”. Liberando o praticante da fotografia do fardo da preparação das chapas e da revelação dos negativos, e aliando-se a isso o fato de o filme em rolo conferir uma autonomia até então desconhecida, a Kodak lançaria as novas bases para o movimento de popularização da fotografia no século XX.

 

É importante ver, também, como a tendência à miniaturização das máquinas e a consequente facilitação do seu manejo, dinamizaram a linguagem fotográfica a ponto dela se aproximar cada vez mais da vida, tornando-se capaz de captar instantes imprevistos, congelando momentos no fluxo do tempo que, de outra forma, passariam despercebidos. A invenção das câmeras de filme 35mm coincidiram também com o desenvolvimento do fotojornalismo moderno, das fotos cândidas, dos flagrantes e, como não poderia deixar de ser, da massificação da fotografia na imprensa. A última grande invenção que veio abalar a rotina das práticas sociais da fotografia (e que está relacionada ao advento da imagem digital, capítulo crucial dessa história), foi sem dúvida a câmera embutida no telefone celular e o aperfeiçoamento dessa tecnologia nos últimos anos, gerando imagens de qualidade cada vez maior. Se é verdade que câmeras compactas já estavam disponíveis há muitas décadas, eram poucas as pessoas que tinham o hábito de carregarem sua câmera todo o tempo. Hoje, ao contrário, o telefone celular (com sua câmera) nos acompanha em todos os lugares.

 

Uma questão interessante de se pensar é qual a mudança que essa nova tecnologia trouxe para o campo das práticas fotográficas. Existiria um caráter próprio e distintivo da fotografia feita com celular? Seria a foto do momento, o registro da coisa ou evento imprevisto que se destacam em meio à torrente de acontecimentos triviais que nos arrastam quando circulamos pela cidade? Ou, ao contrário, seria justamente a imagem daquilo que é banal, comum e cotidiano, detalhes corriqueiros, íntimos, da vida privada? Talvez mais do que os temas ou objetos, o que seja mais inovador na fotografia de celular é que ela tenha acoplado, junto ao próprio meio de captação, o seu meio de transmissão, gerando possibilidades de circulação instantânea e formação de redes de informação em tempo real. Na prática, ela pode ser tudo isso e ainda mais... O fato é que essa tecnologia vem mudando nossos hábitos relacionados à forma como percebemos e interagimos com as coisas no mundo, trazendo a imagem para tão perto da vida que elas têm uma tendência a se confundir. Fotografamos tanto que mal temos tempo pra rever as fotos que fizemos. Fotografamos tudo e não temos mais certeza dos critérios de qualidade (que qualidade?) que diferenciam uma boa foto de outra, deletável. Atualmente, com uma tecnologia portátil e barata, todo mundo pode ser um produtor de imagens, um emissor. É claro que a radicalização dessa acessibilidade à produção deve ser vista como um avanço em relação à democratização da informação, mas, justamente por isso, nosso tempo nos confronta com a necessidade de decifrarmos mais habilmente as mensagens, os valores, as razões e os modos de ser que esta linguagem visual deixa apenas entrever.

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